sexta-feira, 16 de março de 2012

O Pequeno Traficante e a Prisão...

Datada de 15 de fevereiro de 2012, a Resolução nº 5, de 2012, do Senado Federal resolveu, baseado na decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal que declarou, no Habeas Corpus nº 97.256/RS, a inconstitucionalidade da expressão “vedada a conversão em penas restritivas de direito”, suspender a referida expressão do texto contido no § 4º do art. 33, da Lei nº 11.343 de 23 de agosto de 2006 (Lei das Drogas).

Esta resolução abre brecha para que pequenos traficantes possam cumprir penas alternativas, em vez de ficar presos. Para muitos isso pode representar um retrocesso, penso que trata-se de um avanço de enorme magnitude, pois é fato conhecido por todos que as prisões, especialmente as brasileiras, não regeneram ninguém, muito pelo contrário, nossas prisões se tornaram uma verdadeira faculdade do crime.

Pequenos criminosos que adentram as muralhas dos presídios, tornam-se grandes e perigosas ameaças para a sociedade. O que é necessário ser feito é melhorar as penas alternativas, de forma que estas contribuíam para a melhoria dos criminosos e tragam benefícios para a sociedade que ele prejudicou.

“Quanto se pretende substituir a liberdade pela segurança, o que se está fazendo é negar a eficácia dos direitos fundamentais e inverter os postulados do Estado de direito democrático.” (Maria Lúcia Karam).

Famosa por endurecer as punições a traficantes, a Lei de Drogas sempre foi envolta em polêmicas discussões. Tinha por objetivo combater o tráfico e, ao mesmo tempo, focar na recuperação do usuário. Porém ao que se viu ao longo deste período, seus objetivos não foram alcançados, pois o tráfico é cada vez mais crescente e a recuperação de usuários é praticamente inexistente.

Com a supressão do texto “vedada a conversão em penas restritivas de direito”, os pequenos traficantes que sejam réus primários com bons antecedentes e não tenham vínculos comprovados com organizações criminosas poderão prestar serviços comunitários, obviamente de acordo com cada caso concreto.

A Resolução 5/2012 do Senado Federal, veio ratificar a decisão do STF, baseada no entendimento que a Convenção Contra o Tráfico Ilícito de Entorpecente e de Substâncias Psicotrópicas, ratificada pelo Brasil em 1991 é de hierarquia superior à lei e permite sanções mais brandas, como penas alternativas a ser aplicadas aos traficantes.

Com a edição da resolução do Senado Federal, todos os magistrados ficam obrigados a seguir tal entendimento, mesmo com a polêmica existente, onde para alguns “isso é um desserviço no combate ao tráfico” (Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo – José Damião Cogan).

Importante esclarecer que no Brasil, baseado no inciso X do art. 52 da nossa Carta Maior, declarada a inconstitucionalidade de lei pelo STF, com decisão definitiva e tomada pela maioria absoluta do pleno do Tribunal, o presidente desta Corte envia ofício ao Presidente do Senado para que aquela Casa decida pela aplicação do art. 52, inc. X da CF/88, que diz: “Compete privativamente ao Senado Federal: (...) X – suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal.

Há discussão no sentido da obrigatoriedade do Senado suspender a execução da lei. A maioria da doutrina entende que o Senado Federal não está obrigado a suspender a execução da lei declarada inconstitucional, sendo uma hipótese de discricionariedade política, haja vista o inciso X do art. 52 da CF/88 falar em suspender “no todo ou em parte”, desta forma o Senado pode suspender apenas parte das normas declaradas inconstitucionais pelo STF.

Forçoso esclarecer ainda que os efeitos da Resolução do Senado são erga omnes, ou seja, para todos e ex nunc (não retroativo).

Por fim, mais uma vez nos valemos dos ensinamentos da nobre Maria Lúcia Karam, juíza aposentada do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro que nos instrui:

“Quando se consente em trocar a liberdade por uma acenada segurança, perde-se a liberdade, não se conquista a segurança e acaba-se por trocar a democracia pelo totalitarismo.” (...) “A enganosa publicidade do sistema penal oculta a realidade do caráter puramente político e historicamente eventual da seleção de condutas chamadas de crime.” “(..) É a lei que diz onde está o crime; é a lei que cria o ‘criminoso’.” (...) “Ao contrário do que divulga a enganosa publicidade, o sistema penal não se destina a fornecer proteção, segurança, tranquilidade, justiça. O sistema penal atua como mera manifestação de poder, servindo tão somente como instrumento de dominação, como um instrumento de que se valem os mais diversos tipos de Estado para obter uma disciplina ou um controle sociais que resultem funcionais para manter e reproduzir a organização e o equilíbrio global das formações socais historicamente determinadas nas quais surgem.” (...) “Do ponto de vista das almejadas segurança, tranquilidade e proteção, a pena é tão somente uma ilusão cruel que permite a subsistência de um sofrimento, tão inútil quanto profundo, que atinge dimensões extremas, quando encontra, como ainda hoje, na privação da liberdade, sua forma primordial de concretização.” (Maria Lúcia Karam).

Gilson Ferreira - Advogado

Fontes:
http://www.estadao.com.br/noticias/cidades,pequeno-traficante-nao-vai-mais-para-prisao,837740,0.htm

http://www.dizerodireito.com.br/2012/02/resolucao-do-senado-suspende-eficacia.html

Karam, Maria Lúcia. Recuperar o Desejo da Liberdade e Conter o Poder Punitivo. Rio de Janeiro. Ed. Lumen Juris, 2009.

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