domingo, 23 de fevereiro de 2014

ADVOGADO E O CRIME DE DESACATO.

Tenho vivenciado diversos relatos de Advogados que são mal atendidos por servidores públicos que não honram a função que exercem e destratam aqueles à quem tem a obrigação de bem servir.

Estes maus servidores, muitas vezes blindados pelo corporativismo, despreparados, tentam utilizar a lei em seu favor, porém, desconhecem as consequências de seu uso inadequado.

Muitas vezes, ao ser mal atendido e interpelar o servidor para o bom atendimento, tem-se como resposta a voz de prisão pelo crime de desacato. Em reação, deve o advogado, com argumento de defesa, dar voz de prisão, ao servidor, pelo crime de abuso de autoridade, pela inexistência dos elementos caracterizadores do desacato.

Certo é que Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADIN 1.127-8, declarou inconstitucional a expressão “ou desacato”, contido no § 2º do art. 7º da Lei 8.906/94, razão pela qual o advogado pode ser responsabilizado pelo crime de desacato, mesmo no exercício de seu mister.

Não podemos deixar de concordar com Suprema Corte, pois, todos devem tomar o devido cuidado para que suas manifestações não ultrapassem o limite aceitável do interesse e da legitima defesa, pois respeito e educação é cortesia que se exige.

Entretanto é importante observar o disposto no § 3º do art. 7º da Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994, que determina que o advogado não pode ser preso, ainda que em flagrante, exceto nas hipóteses de crimes inafiançáveis.

Sendo o crime de desacato um delito de menor potencial ofensivo, qualquer ameaça ao advogado de prisão em flagrante por este crime, deve ser entendido com um abuso por parte da autoridade, configurando, portanto, crime de abuso de autoridade.

Forçoso ressaltar que o advogado foi erigido, pela Constituição da República de 1988, num ente “indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei” (art. 133 da CF).

Longe de representar algum tipo de odioso privilégio, o status adquirido pela classe de advogados na Constituição Cidadã, é resultado de luta diurna e incessante na defesa dos cidadãos, contra desmandos não raramente praticados por nosso Poder Público no exercício de suas atividades, como no caso em comento.

Estes maus servidores, que felizmente são minorias, porém, uma minoria que provoca estragos, muitas vezes se utiliza do desacato para justificarem sua incompetência e atenuar o abuso de autoridade cometido.

O crime de abuso de autoridade está previsto na Lei nº 4.898/65 e sujeita seus autores a sanções administrativas que vai da advertência à demissão; sanções cíveis com indenizações e penal consistente em multa, detenção, perda do cargo e inabilitação para o exercício de qualquer outra função pública por prazo de até três anos.

Desta forma, se as autoridades ordenarem a prisão em flagrante do advogado por crime de desacato o faz com abuso de autoridade, podendo colocar em risco a sua própria profissão, posto que, levando-se o fato às últimas consequências, podem ser punidos com a perda do cargo, além de outras sanções previstas.

Aos colegas advogados, devemos nos cuidar, pois o prestígio que nos é inerente, precisa ser resguardado e respeitado, pelo próprio bem da democracia. Não podemos ficar inertes diante de fatos atentatórios a dignidade do advogado, ainda mais quando no exercício de sua profissão.

Por tudo isso, qualquer ato arbitrário contra um advogado deve caracterizar como um ato contra toda a classe e repudiado e punido exemplarmente, até que não mais se repita, extirpando toda ação que macule a árdua e honrosa profissão de “advogado”, principalmente as emanadas por servidores públicos que se revestem da armadura do poder público para legitimarem suas atitudes contrárias ao bom e fiel atendimento que deveria ser dispensado à toda população.

Gilson Ferreira – Advogado

gilsonf.adv@gmail.com

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

DIRIGIR SEM HABILITAÇÃO É CRIME?

Recentemente fui consultado a cerca da criminalização de dirigir veículo automotor sem habilitação. Qual seria a natureza jurídica da conduta de dirigir sem habilitação. Crime ou infração administrativa?

É fato que com a vigência da Lei nº 9.503 de setembro de 1997 (Código de Trânsito Brasileiro) a questão da natureza jurídica de dirigir sem habilitação é objeto de divergências, onde para alguns configura crime e para outros, mera infração administrativa.

O art. 162 do Código de Trânsito Brasileiro dispõe o que segue:

Art. 162. Dirigir veículo:

I – sem possuir Carteira Nacional de Habilitação ou Permissão para Dirigir:

Infração – gravíssima

Penalidade – multa (três vezes) e apreensão do veículo.

Desta forma, nosso entendimento é no sentido que à natureza jurídica da conduta de dirigir sem habilitação configura infração administrativa e não conduta criminosa.

É importante, porém, citar o artigo 309 do mesmo código, onde dispõe:

Art. 309. Dirigir veículo automotor, em via pública, sem a devida permissão para Dirigir ou Habilitação, ou, ainda, se cassado o direito de dirigir, gerando perigo de dano.

Penas – detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, ou multa.

Desta forma apuramos que o fato de dirigir sem habilitação por si só não configura crime, porém, se gerar perigo de dano é considerado pratica criminosa, nos termos do art. 309 da Lei 9.503/1997.

Os que observam o art. 32 da Lei de Contravenções Penais, onde aponta que “Dirigir, sem a devida habilitação, veículo na via pública, ou embarcação a motor em águas públicas”, para justificar esta pratica como criminosa, importante citar que este artigo foi derrogado pelo art. 309 do Código de Trânsito, conforme entendimento da Suprema Corte prevista na Súmula 720, que assim dispõe:

Súmula 720 STF. O art. 309 do Código de Trânsito Brasileiro, que reclama decorra do fato perigo de dano, derrogou o art. 32 da Lei das Contravenções Penais no tocante à direção sem habilitação em vias terrestres.

Não resta dúvida, portanto, que trata-se de mera infração administrativa a simples conduta de dirigir sem habilitação, porém, se houver perigo de dano, caracteriza-se crime.

O perigo de dano é entendido pelo Mestre Damásio de Jesus como o “perigo concreto e real, o que na verdade acontece, hipóteses em que o dano ao objeto jurídico só não ocorre por simples eventualidade, por mero acidente...”. Claus Roxin aponta que o “resultado danosos só não ocorre por simples causalidade...”

O penalista Luis Flávio Gomes ensina que “não ocorrendo condução anormal, inexiste crime”, desta forma, se o motorista for surpreendido na condução normal de um veículo, haverá apenas infração administrativa.

Por fim, importante citar que quem liberar veículo para pessoa não habilitada responde administrativamente pela infração cometida.

Gilson Ferreira – Advogado

www.ferreiraemendes.adv.br

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

A vítima é suficiente para confirmar o uso de arma de fogo em caso de assalto.


Essa é a decisão da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, cujo Relator, Ministro Og Fernandes entendeu que basta o testemunho da vítima, não sendo necessário apreensão e perícia da arma ou declaração de outras testemunhas para que configure o uso de arma de fogo em caso do crime de roubo.

O Ministro Relator, que foi acompanhando de forma unanime pela Turma em seu voto, entende que é relevante o testemunho da vitima para aumento da pena, quando inexistentes outros elementos de prova.

É certo que muitos elogiaram tal decisão, especialmente pela onda crescente da criminalidade, porém, os operadores do Direito devem observar essa decisão com reservas, pois fere de morte alguns princípios constitucionais, especialmente o in dúbio pro reo e o princípio da verdade real.

Em síntese, o princípio do in dúbio pro reo determina que na dúvida, deve ser julgado em favor do réu, ao passo que o princípio da verdade real apregoa que deve se buscar a verdade real, antes condenar ou agravar a pena de alguém.

É de conhecimento geral que as penas de prisão não cumpre suas mais básicas finalidades, quais seja, a ressocialização e a reintegração do detento a sociedade. Muito pelo contrário, os presídios se tornou uma verdadeira faculdade do crime, bem como um ambiente de desrespeito ao princípio base da constituição, a dignidade da pessoa humana.

Os condenados são tratados como verdadeiros animais e se dessa forma permanecem quando ganham a “liberdade”. São discriminados pela sociedade e não há qualquer tipo de política pública para corrigir tamanha barbárie com aqueles que, muitas vezes em razão do abandono do Estado, são condenados com pena perpetua de descaso e descriminação.

Não estamos aqui apregoando que pessoas que cometam crimes não sejam punidas, mas sim, que tenham penas justas, ou pelo menos em conformidade com o disposto na nossa desatualizada legislação penal.

Uma vítima de roubo, abalada pelo desdita vivida, pode tranquilamente aumentar o fato, apenas pelo sentimento de vingança, mesmo sem saber que estará contribuindo para criação de um marginal muito mais voraz que o praticante daquele crime de roubo sem arma de fogo.

O uso de arma de fogo no crime de roubo é um dos requisitos que agrava a pena, podendo ser aumentada de um terço a metade. A pena para o crime de roubo é de 4 a 10 anos, que se aumentar a pena base máxima a metade, estaremos encarcerando uma pessoa por 15 anos.

Não devemos aplaudir decisões que vislumbram apenas satisfazer apelos populares, que, infelizmente são manipulados por mídias tendenciosas, que traduzem a verdade do sistema prisional de nosso país.

Nossos presos são tratados como verdadeiros facínoras, pessoas sem dignidades, sem qualquer possibilidade de regeneração.

Reflitam...

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

AVENIDA BRASIL E A LEI


O novo fenômeno novelista da Rede Globo é a novela Avenida Brasil, com incríveis picos de audiência, onde fora constatado, em determinadas medições, que 8, em 10 TVs, estavam ligados nessa programação.

Do enredo apresentado até aqui, podemos verificar a prática de traição, bigamia e a vingança de Nina contra Carminha, com inúmeras viravoltas. Mas não vai parar por ai, pois fortes emoções prometem estremecer as bases familiares, e os religiosos fanáticos de plantão, deverão ficar abismados, se o enredo seguir o curso prometido.

O quesito adultério, tá em alta em Avenida Brasil, que nos diga Carminha, Leleco, Muricy, Suelen, Jorginho, mãe Lucinda e tantos outros.

É fato que o adultério, anteriormente previsto no art. 240 do Código Penal, atualmente revogado, não é mais crime. É moralmente reprimível, mas não há mais intervenção do Direito Criminal nessa seara da ação humana.

Cadinho é o famoso bígamo da história fictícia global. Mantinha duas esposas e uma amante, que tornou-se esposa, ficando o bígamo com verdadeiro harém.

Previsto no art. 235 do Código Penal, o crime de bigamia prevê pena de reclusão de dois a seis anos, podendo, para chegar ao crime de bigamia ser efetivado o crime de falsidade ideológica, não havendo, porém, concurso do crime.

E o caso da Suelen, seria uma bigamia ou uma união poliafetiva. Ela está casada com o fulano e a relação está se expandindo para o Leandro, ou seja, muito certamente ocorrerá uma “relação aberta”, onde ninguém é de ninguém e todos são de todos.

Essa relação é chamada atualmente de união poliafetiva, e é a nova moda do momento. Inclusive em Tupã, SP, um cartório de notas já registrou a união conjugal de três pessoas, ou seja, a novela não está inovando, está apenas seguindo a tendência, ou melhor, divulgando o que, certamente, será praxe em breve.

Outra situação, caso se concretize, que deve incendiar os imaginários familiares, pondo, certamente, em risco a já atacada instituição familiar, é o fato de Carminha e Max (amantes e parceiros desde o início da trama) serem irmãos.

O autor já deu a deixa, quando esclareceu que Max é filho de Nilo com Mãe Lucinda e que Carminha é filha do amante de Mãe Lucinda, já que Nilo esclareceu que era casada com Lucinda e foi traído por ela com o pai de Carminha.

Essa prática, romance entre parentes próximo, é o famoso incesto. Não trata-se de crime, previsto no Código Penal, mas é moralmente reprovável. Trata-se de um tabu universal, pois todos os povos, ou pelo menos a maioria deles, não gostam de tratar do tema.

De tudo que foi abordado, façam suas considerações sobre os sucessos de nossas TVs, bem como a influência destes episódios na criação de nossos filhos, bem como que tipo de futuros teremos pela frente.

Abraços!!

terça-feira, 17 de julho de 2012

Bom texto. Longo. Mas vale a pena.

Ao conviver com os bem mais jovens, com aqueles que se tornaram adultos há pouco e com aqueles que estão tateando para virar gente grande, percebo que estamos diante da geração mais preparada – e, ao mesmo tempo, da mais despreparada. Preparada do ponto de vista das habilidades, despreparada porque não sabe lidar com frustrações. Preparada porque é capaz de usar as ferramentas da tecnologia, despreparada porque despreza o esforço. Preparada porque conhece o mundo em viagens protegidas, despreparada porque desconhece a fragilidade da matéria da vida. E por tudo isso sofre, sofre muito, porque foi ensinada a acreditar que nasceu com o patrimônio da felicidade. E não foi ensinada a criar a partir da dor. Há uma geração de classe média que estudou em bons colégios, é fluente em outras línguas, viajou para o exterior e teve acesso à cultura e à tecnologia. Uma geração que teve muito mais do que seus pais. Ao mesmo tempo, cresceu com a ilusão de que a vida é fácil. Ou que já nascem prontos – bastaria apenas que o mundo reconhecesse a sua genialidade. Tenho me deparado com jovens que esperam ter no mercado de trabalho uma continuação de suas casas – onde o chefe seria um pai ou uma mãe complacente, que tudo concede. Foram ensinados a pensar que merecem, seja lá o que for que queiram. E quando isso não acontece – porque obviamente não acontece – sentem-se traídos, revoltam-se com a “injustiça” e boa parte se emburra e desiste. Como esses estreantes na vida adulta foram crianças e adolescentes que ganharam tudo, sem ter de lutar por quase nada de relevante, desconhecem que a vida é construção – e para conquistar um espaço no mundo é preciso ralar muito. Com ética e honestidade – e não a cotoveladas ou aos gritos. Como seus pais não conseguiram dizer, é o mundo que anuncia a eles uma nova não lá muito animadora: viver é para os insistentes. Por que boa parte dessa nova geração é assim? Penso que este é um questionamento importante para quem está educando uma criança ou um adolescente hoje. Nossa época tem sido marcada pela ilusão de que a felicidade é uma espécie de direito. E tenho testemunhado a angústia de muitos pais para garantir que os filhos sejam “felizes”. Pais que fazem malabarismos para dar tudo aos filhos e protegê-los de todos os perrengues – sem esperar nenhuma responsabilização nem reciprocidade. É como se os filhos nascessem e imediatamente os pais já se tornassem devedores. Para estes, frustrar os filhos é sinônimo de fracasso pessoal. Mas é possível uma vida sem frustrações? Não é importante que os filhos compreendam como parte do processo educativo duas premissas básicas do viver, a frustração e o esforço? Ou a falta e a busca, duas faces de um mesmo movimento? Existe alguém que viva sem se confrontar dia após dia com os limites tanto de sua condição humana como de suas capacidades individuais?Nossa classe média parece desprezar o esforço. Prefere a genialidade. O valor está no dom, naquilo que já nasce pronto. Dizer que “fulano é esforçado” é quase uma ofensa. Ter de dar duro para conquistar algo parece já vir assinalado com o carimbo de perdedor. Bacana é o cara que não estudou, passou a noite na balada e foi aprovado no vestibular de Medicina. Este atesta a excelência dos genes de seus pais. Esforçar-se é, no máximo, coisa para os filhos da classe C, que ainda precisam assegurar seu lugar no país.Da mesma forma que supostamente seria possível construir um lugar sem esforço, existe a crença não menos fantasiosa de que é possível viver sem sofrer. De que as dores inerentes a toda vida são uma anomalia e, como percebo em muitos jovens, uma espécie de traição ao futuro que deveria estar garantido. Pais e filhos têm pagado caro pela crença de que a felicidade é umdireito. E a frustração um fracasso. Talvez aí esteja uma pista para compreender a geração do “eu mereço”.Basta andar por esse mundo para testemunhar o rosto de espanto e de mágoa de jovens ao descobrir que a vida não é como os pais tinham lhes prometido. Expressão que logo muda para o emburramento. E o pior é que sofrem terrivelmente. Porque possuem muitas habilidades e ferramentas, mas não têm o menor preparo para lidar com a dor e as decepções. Nem imaginam que viver é também ter de aceitar limitações – e que ninguém, por mais brilhante que seja, consegue tudo o que quer. A questão, como poderia formular o filósofo Garrincha, é: “Estes pais e estes filhos combinaram com a vida que seria fácil”?É no passar dos dias que a conta não fecha e o projeto construído sobre fumaça desaparece deixando nenhum chão. Ninguém descobre que viver é complicado quando cresce ou deveria crescer – este momento é apenas quando a condição humana, frágil e falha, começa a se explicitar no confronto com os muros da realidade. Desde sempre sofremos. E mais vamos sofrer se não temos espaço nem mesmo para falar da tristeza e da confusão.Me parece que é isso que tem acontecido em muitas famílias por aí: se a felicidade é um imperativo, o item principal do pacote completo que os pais supostamente teriam de garantir aos filhos para serem considerados bem sucedidos, como falar de dor, de medo e da sensação de se sentir desencaixado?Não há espaço para nada que seja da vida, que pertença aos espasmos de crescer duvidando de seu lugar no mundo, porque isso seria um reconhecimento da falência do projeto familiar construído sobre a ilusão da felicidade e da completude. Quando o que não pode ser dito vira sintoma – já que ninguém está disposto a escutar, porque escutar significaria rever escolhas e reconhecer equívocos – o mais fácil é calar. E não por acaso se cala com medicamentos e cada vez mais cedo o desconforto de crianças que não se comportam segundo o manual. Assim, a família pode tocar o cotidiano sem que ninguém precise olhar de verdade para ninguém dentro de casa. Se os filhos têm o direito de ser felizes simplesmente porque existem – e aos pais caberia garantir esse direito – que tipo de relação pais e filhos podem ter? Como seria possível estabelecer um vínculo genuíno se o sofrimento, o medo e as dúvidas estão previamente fora dele? Se a relação está construída sobre uma ilusão, só é possível fingir. Aos filhos cabe fingir felicidade – e, como não conseguem, passam a exigir cada vez mais de tudo, especialmente coisas materiais, já que estas são as mais fáceis de alcançar – e aos pais cabe fingir ter a possibilidade de garantir a felicidade, o que sabem intimamente que é uma mentira porque a sentem na própria pele dia após dia. É pelos objetos de consumo que a novela familiar tem se desenrolado, onde os pais fazem de conta que dão o que ninguém pode dar, e os filhos simulam receber o que só eles podem buscar. E por isso logo é preciso criar uma nova demanda para manter o jogo funcionando.O resultado disso é pais e filhos angustiados, que vão conviver uma vida inteira, mas se desconhecem. E, portanto, estão perdendo uma grande chance. Todos sofrem muito nesse teatro de desencontros anunciados. E mais sofrem porque precisam fingir que existe uma vida em que se pode tudo. E acreditar que se pode tudo é o atalho mais rápido para alcançar não a frustração que move, mas aquela que paralisa.Quando converso com esses jovens no parapeito da vida adulta, com suas imensas possibilidades e riscos tão grandiosos quanto, percebo que precisam muito de realidade. Com tudo o que a realidade é. Sim, assumir a narrativa da própria vida é para quem tem coragem. Não é complicado porque você vai ter competidores com habilidades iguais ou superiores a sua, mas porque se tornar aquilo que se é, buscar a própria voz, é escolher um percurso pontilhado de desvios e sem nenhuma certeza de chegada. É viver com dúvidas e ter de responder pelas próprias escolhas. Mas é nesse movimento que a gente vira gente grande. Seria muito bacana que os pais de hoje entendessem que tão importante quanto uma boa escola ou um curso de línguas ou um Ipad é dizer de vez em quando: “Te vira, meu filho. Você sempre poderá contar comigo, mas essa briga é tua”. Assim como sentar para jantar e falar da vida como ela é: “Olha, meu dia foi difícil” ou “Estou com dúvidas, estou com medo, estou confuso” ou “Não sei o que fazer, mas estou tentando descobrir”. Porque fingir que está tudo bem e que tudo pode significa dizer ao seu filho que você não confia nele nem o respeita, já que o trata como um imbecil, incapaz de compreender a matéria da existência. É tão ruim quanto ligar a TV em volume alto o suficiente para que nada que ameace o frágil equilíbrio doméstico possa ser dito. Agora, se os pais mentiram que a felicidade é um direito e seu filho merece tudo simplesmente por existir, paciência. De nada vai adiantar choramingar ou emburrar ao descobrir que vai ter de conquistar seu espaço no mundo sem nenhuma garantia. O melhor a fazer é ter a coragem de escolher. Seja a escolha de lutar pelo seu desejo – ou para descobri-lo –, seja a de abrir mão dele. E não culpar ninguém porque eventualmente não deu certo, porque com certeza vai dar errado muitas vezes. Ou transferir para o outro a responsabilidade pela sua desistência. Crescer é compreender que o fato de a vida ser falta não a torna menor. Sim, a vida é insuficiente. Mas é o que temos. E é melhor não perder tempo se sentindo injustiçado porque um dia ela acaba. 

ELIANE BRUM, Jornalista, escritora e documentarista. Ganhou mais de 40 prêmios nacionais e internacionais de reportagem. É autora de Coluna Prestes – O Avesso da Lenda (Artes e Ofícios), A Vida Que Ninguém Vê (Arquipélago Editorial, Prêmio Jabuti 2007) e O Olho da Rua (Globo).

quarta-feira, 27 de junho de 2012

CONDENADO POR TRÁFICO IMPETRA HC PARA OBTER REDIMENSIONAMENTO DE PENA



A defesa de Sérgio Rodrigo Mafra Martins, condenado à pena de 22 anos e oito meses de reclusão em regime inicialmente fechado, pelo crime de tráfico internacional de drogas e associação para o tráfico, impetrou Habeas Corpus (HC 113954), no Supremo Tribunal Federal (STF), no qual pretende obter o redimensionamento da pena. A defesa afirma que não há proporcionalidade entre os fundamentos da sentença da 3ª Vara Federal da Seção Judiciária do Pará e as penas-base e circunstâncias judiciais agravantes aplicadas.
O total da pena de 22 anos e oito meses imposta a Sérgio Rodrigo e mais oito corréus, resulta da soma de 13 anos e quatro meses de reclusão pelo crime de tráfico de drogas (artigo 33, caput, da Lei 11.343/2006) com nove anos e quatro meses de reclusão pelo delito de associação para o tráfico (artigo 35, caput), ambos com a majorante da transnacionalidade (artigo 40, inciso I, da mesma lei). O recurso de apelação contra a condenação tramita no Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1).
No Superior Tribunal de Justiça (STJ), a defesa obteve parcialmente HC lá impetrado para reduzir de um terço para um sexto o percentual de aumento pela transnacionalidade dos delitos. De acordo com os autos, o réu adquiriu 20 quilos de cocaína na Colômbia com a finalidade de comercializá-los em Belém do Pará, mesmo tendo dois carregamentos anteriores apreendidos pela Polícia Federal e um terceiro desviado pelo próprio transportador. A perda da droga levou Sérgio Rodrigo a se desfazer de uma empresa de sua propriedade, com a finalidade de investir no carregamento de 20 quilos, que acabou sendo apreendido em Óbidos (PA).
De acordo com o artigo 42 da Lei de Drogas (Lei 11.343/2006), na fixação das penas, o juiz deve considerar a natureza e a quantidade da substância ou do produto, a personalidade e a conduta social do agente. Ao analisar a personalidade de Sérgio Rodrigo, o juiz observou que sua "obstinação em continuar traficando, apesar de todos os reveses sofridos com apreensões e desvio de carregamentos revela o quão vocacionado ele é para praticar essa espécie de crime, tendo chegado ao ponto de vender sua empresa para investir em droga".
Na análise das circunstâncias, o magistrado observou que era prática comum o uso de meios para dificultar a ação policial, como no caso em que a droga partiu da Colômbia misturada com café e chocolate em pó. No tocante à conduta social, o juiz a considerou "péssima", tendo em vista que o acusado era "empresário do tráfico e assaltante". A defesa contesta os fundamentos utilizados pelo magistrado e afirma, por exemplo, que a qualidade de ser ou não ser traficante e assaltante não ser para definir, em sua amplitude, a conduta social do réu.
Defesa
A defesa sustenta que, no caso, se evidencia constrangimento ilegal, em função de "desproporcionalidade entre os fundamentos da sentença e as penas impostas ao paciente".
Sustenta que o Rodrigo é réu primário e sem antecedentes criminais. "No contexto da equivocada fundamentação da sentença, a personalidade e conduta social do réu hão de ser consideradas a favor dele", afirma o advogado do condenado.
"Como se sabe, existem réus que são verdadeiros traficantes e assaltantes, mas que têm boa conduta social. Alguns até contribuem para obras de caridade e ajudam a comunidade em que vivem", alega.
No HC ao STF, a defesa pede a concessão da ordem para determinar ao juiz sentenciante que proceda à nova dosimetria das penas, "excluindo o aumento correspondente a cada circunstância judicial desprovida de fundamentação idônea".
O relator do HC é o ministro Ricardo Lewandowski.

STF DECIDIRÁ SE CONDENADOS POR TRÁFICO PODEM INICIAR PENA EM REGIME SEMIABERTO



Foi suspenso no Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) o julgamento de dois Habeas Corpus (HC 101284 e 111840) nos quais se questiona a norma que determina que os condenados por tráfico de drogas devem iniciar o cumprimento da pena em regime fechado. A determinação está prevista no parágrafo 1º do artigo 2º da Lei 8.702/90, com a redação dada pela Lei 11.464/2007.
Até o momento, cinco ministros se pronunciaram pela inconstitucionalidade do dispositivo e três foram contrários a esse entendimento.
O relator, ministro Dias Toffoli, afirmou que o dispositivo contraria a Constituição Federal, especificamente no ponto que trata do princípio da individualização da pena (artigo 5º, inciso XLVI). Para ele, as pessoas condenadas por tráfico de drogas podem começar a cumprir a pena em regime semiaberto desde que preencham os requisitos previstos no Código Penal (artigo 33, parágrafo 2º, alínea "b").
O voto do relator foi acompanhado pelas ministras Rosa Weber e Cármen Lúcia Antunes Rocha e também pelos ministros Ricardo Lewandowski e Cezar Peluso.
Divergência
O ministro Luiz Fux abriu divergência e defendeu que, ao editar a lei, o legislador se preocupou em tornar mais rígida a pena considerando a "tragédia humana que ocorria no Brasil tendo a juventude como a maior clientela do tráfico de drogas".
Para o ministro, essa foi uma opção legítima do legislador e a lei não é inconstitucional, pois atende ao reclamo da Constituição Federal de dar um tratamento especial ao crime de tráfico de drogas. O mesmo entendimento foi enfatizado pelos ministros Marco Aurélio e Joaquim Barbosa.
"Não posso entender que quem comete um crime de menor gradação tenha o mesmo regime inicial de cumprimento da pena daquele que comete um crime de gradação maior como é o crime hediondo", destacou o ministro Marco Aurélio ao afirmar que os desiguais devem ser tratados de forma desigual.
O ministro Joaquim Barbosa afirmou que "há no Brasil um processo de banalização do tráfico de substância entorpecente" e, por entender dessa forma, votou pela constitucionalidade da lei. Ele destacou que "a Constituição atribui aos parlamentares eleitos democraticamente a tarefa de estabelecer as leis reitoras da política criminal do país e que analisar se essa política é boa ou ruim não é função do Poder Judiciário".
Condenados
Os dois habeas corpus envolvem quatro condenados por tráfico que foram proibidos de cumprir a pena em regime semiaberto e recorreram contra essa regra. Os HCs chegaram a ser analisados pela Segunda Turma do STF, que decidiu afetar o caso ao Plenário por envolver a inconstitucionalidade da norma legal.
No caso do autor do HC 101284, o Plenário julgou prejudicado o seu pedido, uma vez que nesse período entre o julgamento da Turma e a apreciação pelo Plenário, ele conseguiu liberdade condicional.
O artigo 173 do Regimento Interno do STF estabelece a maioria de seis votos para declarar a constitucionalidade ou inconstitucionalidade de norma. Assim, o julgamento será retomado posteriormente com o voto dos ministros ausentes, em razão de compromissos oficiais, à sessão de ontem.